O povo português sempre foi folgazão, amante dos divertimentos, concorrendo a eles com avidez. Foram vários, ao longo do tempo, os divertimentos criados. Quase sempre ligados a jogos, nem sempre essas formas de lazer eram lícitas. Conhecem-se imensas determinações religiosas que proibiam nomeadamente alguns jogos, como as constituições dos bispados e as pastorais de bispos. Conhecem-se, também, processos instruídos nos tribunais eclesiásticos diocesanos contra indivíduos proprietários de casas de jogo ou jogadores. Porém, também se sabe que, sub-repticiamente, nunca as leis conseguiram erradicar da cristandade a prática de determinados jogos. Hoje, essa atividade continua regrada.
O largo do Tabolado, em Moimenta da Beira, alude a essa prática social antiga e difusa, do jogo. O nome, ancestral, daí vem, aliás. Na sua forma mais antiga, Tabolado dizia-se Tavolado. Tavolado ter-se-á originado do latino tavola que significa mesa, tendo ficado célebres os cavaleiros da tavola redonda por se reunirem em redor de uma mesa presumivelmente de madeira com a aludida forma. Tavolado, estando relacionado, por conseguinte, com uma mesa de madeira, alude a um jogo antigo praticado pelos cavaleiros da tavola redonda. Esse jogo era um exercício de destreza e de força que teve origem nas tradições de Carlos Magno e do rei Artur. Além-Pirinéus tinha o nome de tabula rotunda. Introduzido na Península sofreu alterações. Alexandre Herculano em O Bobo faz dele uma descrição na sua forma portuguesa. Intitulava-se, este jogo, “lançar a tavolado”.
O que seria então lançar a tavolado? Segundo Duarte Nunes de Leão, o jogo consistia na edificação de um castelo de madeira em que se uniam as tábuas de tal forma que dificilmente seriam abaladas. O objetivo do mesmo era encontrar criaturas que abalroassem a construção. A prática deste jogo decorria sempre em ambiente de festa e nele compareciam os mais notáveis cavaleiros com o intuito de entrarem no assalto e desta sorte fazerem prova da sua destreza e valentia. O castelo era então atacado com “tiros de arremesso”, presumivelmente de pedra, e vencia aquele que primeiro o derrubasse. Segundo Viterbo, dizia-se braceiro aquele que tinha muita força nos braços, e intitulava-se assim o torneador e lançador a tavolado, o qual “cortava muito com huma espada e remessava bem o cavalo”. Tavolado também tem sido descrito como o palanque onde se assistiam a esses jogos de valentia que por vezes serviam para treino militar. Aí se aprendiam as manhas do tavolado.
A dificuldade inerente aos exercícios deste jogo, só superados por destros militares, levava a que eles fossem tidos por “rudes e quase hercúleos exercícios do tavolado em campo aberto”. As justas e torneiros, outros dos espetáculos que grande voga tiveram entre nós, nos séculos mais remotos da Idade Média, apenas diferiam do lançar a tavolado por se realizarem entre duas pessoas, ou entre dois bandos.
Os mais valerosos militares portugueses eram exímios em lançar a tavolado, tal como o eram os cavaleiros da tavola redonda. De el rei D. Fernando escreveu Fernão Lopes “Era cavalgante e torneador, grande justador e lançador a tavolado”. Sê-lo-ia também Álvaro Coutinho, o magriço, imortalizado por Camões. O magriço viveu na época áurea da prática de lançar a tavolado e terá sido treinado no local que o viu nascer e crescer. Tal local, pela míngua de elementos esclarecedores tem sido referenciado como sendo Penedono, Trancoso, Pinhel e o Couto de Leomil. Teria o magriço lançado a tavolado em Moimenta da Beira que pertencia, na época, ao Couto de Leomil? É uma simples conjetura que não convém descurar sabendo-se as ligações sanguíneas do valente cavaleiro aos Coutinhos, não esquecendo que seu pai era neste período senhor do Couto de Leomil.
Lamego tinha um campo do Tavolado. Sabe-se que em Resende, numa quinta que pertenceu a Egas Moniz, existiu um também (é possível que ainda hoje exista). Talvez se jogasse já no tempo do proprietário. De acordo com frei António Brandão, por ocasião das festas em honra de N. Sra., que Egas mandou fazer como ação de graças por ter sarado o infante D. Afonso Henriques da moléstia de pernas de que padecia, talvez aí tenham decorrido estes jogos a quem os antigos eram muito afeiçoados. Chaves também tem um largo do Tabolado, tendo sido sucessivamente utilizado para a prática de vários jogos, jogando-se aí inclusivamente futebol nas primeiras décadas do século XX. Elvas tem ainda hoje a rua do Tabolado, presumivelmente resquícios da jogatina ancestral. Outras terras terão os seus sítios do Tabolado. Paçô, terra medieval, que foi cabeça de concelho e hoje integra o de Moimenta da Beira, também o tem.
É crível que o largo do Tabolado em Moimenta da Beira tenha afinidades com outros dois locais que lhe estão próximos. Um deles é o campo de touros que existiu por detrás do edifício da atual Câmara. No período medieval durante o qual todo aquele espaço era dedicado ao jogo de lançar a tavolado o casarão camarário não existia ali. Por conseguinte, com o evoluir dos tempos e tendo caído em desuso o jogo de lançar a tavolado, parte do espaço continuou a ser aproveitado para jogos em voga como eram as corridas de touros. Com o fim das touradas o local passou a ser designado de largo dos bois e mais tarde passou a servir para mercado. Outro dos locais com ligação ao lançar a tavolado era o designado sítio do Bafordo hoje ao lado da avenida 25 de Abril. Bafordar era atirar ao alto com lanças curtas e arrojadiças. Era uma espécie de jogo militar, bastante antigo, que se exercitava a cavalo. Bafordo era a lança de bafordar. Era uma lança curta de arremesso. Quando as não havia, uma cana, cheia de areia, servia de lança para o referido jogo. O sítio do Bafordo, em Moimenta da Beira, não muito longe do local onde se lançava a tavolado, deveria ter sido local onde decorriam essas atividades de bafordar.
Este sítio antigo, ermo, onde tinham lugar os aludidos jogos, veio mais tarde a ser o local eleito para centro cívico de Moimenta da Beira. Nos finais do século XIX já no Tabolado existia o edifício que viria a albergar os paços do município e demais repartições de administração da justiça. Ao fundo do largo existiam os casarões dos Carvalhais. No meio continuava um espaço amplo que viria a ser rasgado para a construção de vias rodoviárias e um jardim. Estava encontrada a sala de visitas do município. Nas vielas que com ele vinham confinar existiam as tabernas, que eram também, desde tempos remotos, locais de jogo.
            Dispunha o Código de Posturas Municipais de 1888, aprovadas em 18 de Janeiro de 1887 em reunião entre o presidente da Câmara moimentense José Sarmento de Vasconcelos, o vice-presidente D. António Coutinho de Lencastre e os vereadores Januário Baptista Pedroso, Manuel Mendes Júnior e Julião da Fonseca, que os donos das tabernas e casas de bebidas espirituosas eram obrigados a ter aferidas as medidas e os utensílios limpos sob pena de multa de 1000 réis. No mesmo contexto era proibido conservar as portas abertas das tabernas ou lojas de bebidas espirituosas e receber clientela nas mesmas depois das oito horas da noite nos meses de Outubro a Abril e depois das nove horas da noite nos restantes meses do ano. Os proprietários das tabernas ou casas de bebidas que transgredissem esta disposição incorreriam na multa de 1000 réis, salvo aqueles que para tal tivessem licença. Os donos destes estabelecimentos que consentissem reuniões tumultuosas, algazarras ou jogo, ainda que permitido, depois das horas referenciadas, pagariam uma multa de 2000 réis. E, no que respeita a jogos, sublinhavam as mesmas posturas: “O dono da taberna ou loja de bebidas espirituosas que consentir no seu estabelecimento jogo d’azar, incorre na multa de 4000 réis”.
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